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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Até a próxima partida - 2

      Depois de uma noite curta e de um café corrido no hotel, entrei no barco. Ainda era muito cedo, mas já fazia calor. Desanimada e sonolenta, imaginei que aquela viagem de Dubrovnik para Hvar, na Croácia, poderia não ser das mais agradáveis. Ligeiramente mal-humorada, resolvi sair pra respirar um pouco na área descoberta. Cheguei a tempo de ver a âncora se soltando... Naquele instante, começou a magia. A imagem da cidade que ficava pra trás se misturou à espuma branquinha do mar azul-turquesa, colorido pela luz dourada do sol da manhã. Suspirei com aquela cena e descobri que eu não era a única encantada.

      É por momentos como esse que não consigo parar de procurar destinos diferentes. Dizem que é um luxo. Pra mim, é quase uma necessidade. Nunca fiz as contas, mas acho que poderia ter comprado mais um carro ou mais um apartamento com o dinheiro que já gastei por aí. Não me arrependo. Viajar é escolha e talvez seja esse o meu maior “investimento”.
       
     Já passei por lugares lindos e exóticos. Lugares que sempre me dizem algo. Atravessando uma avenida de Istambul, na Turquia, ao lado de uma multidão, pensei que o mundo é cheio de cabeças e de personagens e vi o quanto sou insignificante. Numa rua de Nova York, atores da Broadway, vestidos de bichos, levaram-me de volta à infância. Num dia de chuva, em San Juan, capital de Porto Rico, enquanto passeava num ônibus antigo, percebi que existem muitos meios de se ganhar a vida e que não existe fórmula pra nada. Conheci um animador de navio, que trabalha, pulando de um cruzeiro ao outro. Quase sempre longe de casa e da terra. Na praça, outro homem se sustenta, alimentando pombos para que os turistas tirem fotos com as aves. Um serviço estranho, sim, mas que tem procura.

      E ainda vi o céu estrelado do Deserto de Atacama, dancei com nativos numa ilha do Pacífico. Num catamarã em Curaçao, depois de um banho-surpresa das ondas em alto-mar, entendi o quanto é perigoso remar contra os ventos e contra a maré. Um treino para a vida? Acho que sim... Foi lá também que me deslumbrei com a cor das praias e com a sonoridade do papiamento, a língua já falada pelos escravos com influências de idiomas europeus, inclusive, do Português. Um som primitivo, forte, como as gargalhadas, o riso fácil dos moradores da ilha. Gosto muito desses locais que não são óbvios.

      Viagens também me provocam mudanças de rumo, correção de rota. Voltei do Chile e pedi demissão de um bom emprego. Lá longe, na Ilha de Páscoa, conhecida como “umbigo do mundo”, concluí que precisava cortar o “cordão” com a empresa simplesmente porque não estava feliz. Foi também no retorno de outros lugares que decidi romper relações que não me faziam crescer.

      Nem sempre é bonito. Nem sempre é fácil. No meio das belezas, há sustos e obstáculos. Já fiquei doente e não sabia explicar ao médico da Romênia o que exatamente eu sentia. Já perdi rodinhas de mala, perdi voos, passei noites em aeroportos ou em destinos imprevistos. Passei horas numa praça de Amsterdã, vigiando a bagagem, enquanto amigos procuravam hotel na cidade lotada em pleno feriado nacional. Torço o nariz pra algumas comidas... Você pede e nunca sabe o que vem na tradução dos ingredientes. Nada disso me desanima ou me tira o prazer de explorar o mundo.

      Uma frase que se ouve, um sorriso franco que se recebe, a gentileza de quem quer fazer você se sentir em casa, paisagens inesquecíveis compensam qualquer situação inusitada. Países como Bulgária, Canadá, Alemanha; cidades como Londres, Paris, Madri, a energia inexplicável de Machu Picchu ou um lugarejo do interior de Minas. Tanto faz... Tenho sempre a mesma curiosidade e uma lista enorme de roteiros para as férias de cada ano. Lugares pra conhecer, pra revisitar, pra experimentar outra vida por uns dias e voltar, sempre diferente, mais flexível, mais tolerante, mais observadora. Viajar é sempre pra fora e por dentro

(Crônica publicada na Revista Encontro Luxo em dezembro de 2013) 

domingo, 17 de novembro de 2013

Mais uma sobre bagagem

     Depois de quatro dias à espera de um voo para Curaçao, apareceu a oportunidade de chegar lá, passando pela Colômbia. A causa de tanto atraso era uma pane inacreditável no sistema da companhia aérea. Milhares de passageiros prejudicados, irados, férias interrompidas, negócios cancelados. E eu no meio dessa confusão, querendo apenas sair do Panamá e chegar às praias lindas que eu só conhecia das fotos. Embora o tempo de viagem aumentasse bastante, aceitei a proposta da empresa.

     No check-in, ficou muito claro pra mim e pra outros turistas que a bagagem deveria ser recolhida em Bogotá e enviada a Curaçao. Achei estranho, confirmei, e o atendente disse que era isso mesmo. O tempo no aeroporto seria curto, mas, segundo ele, suficiente para a operação.
     
     Era mais do que previsível. Num lugar desconhecido, com pouquíssimas pessoas para dar informações e uma correria para a troca de voos, os passageiros ficaram perdidos. Andamos de um lado para o outro, vimos malas rodando nas esteiras, mas não havia acesso à bagagem. Tentávamos descobrir uma saída. Nada. Pra chegar até lá, teríamos que dar entrada no país, carimbar passaportes etc. Impossível. Com o prazo do embarque se esgotando, já não dava mais pra buscar qualquer tipo de orientação.
     
      
     
     E foi nesse momento que respirei fundo e concluí: não tem mais jeito. Ou perco a mala, ou perco o voo. Eu queria tanto desembarcar em Curaçao que todo o resto perdeu a importância. As roupas que eu tinha selecionado com calma em BH, os acessórios, meus cremes e perfumes, as compras que eu já havia feito no Panamá.

     Era uma escolha. E quantas vezes já não passamos por essas decisões na vida, muito maiores do que a de abandonar a mala no meio do percurso... Falo daquelas horas em que o importante é seguir viagem, embarcar na oportunidade que o destino oferece. O fim de uma história de amor. O encerramento de uma etapa no trabalho. Até uma amizade que se afasta e não há como retomar o laço. Você pesa sempre o que vai ficar pra trás. Lamenta, sim! Mas, se a certeza da partida é mais forte, nada te impede de ir. É aquele olhar amplo e a vontade incontrolável de continuar.  Aquela coragem súbita que, de repente, dá sentido a tudo.

       Por incrível que pareça, depois de tanta expectativa, todas as nossas malas chegaram a Curaçao. A minha com apenas três das quatro rodinhas, mancando, mas estava ali. A informação errada da companhia acabou sendo apenas um teste da minha capacidade de escolha e o reforço da palavra que me persegue e me desafia sempre: o desprendimento. 

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Caçando talentos e corações

     Aposto que você já ouviu falar de um head- hunter ou “caçador de cabeças”, aquele profissional que vive à procura de talentos no mercado de trabalho. Muito comum no mundo de executivos... A novidade, que vi outro dia no programa Saia Justa, do GNT, é uma heart- hunter. Sim, uma “caçadora de corações”, que já tem, inclusive, o serviço patenteado. É uma psicóloga que resolveu dar uma força a quem busca a alma gêmea no mercado confuso do amor.

     Ela jura que não é cupido. Deixa claro que presta uma assessoria aos clientes a partir do perfil que eles apresentam. E sai à caça - na agência ou nas ruas. Segundo a psicóloga, as pessoas estão sem tempo de procurar um parceiro porque trabalham demais. Foi aí que parei pra pensar se isso poderia ser uma explicação pra existir tanta gente sozinha por aí – nas mais variadas idades.

     Viver “a um”, como gosto de dizer, tem seu lado confortável. Também acho que homens e mulheres estão mais egoístas, mais centrados nas próprias conquistas em diversas outras áreas fora de um relacionamento. Muitos preferem a variedade. Pra que se prender a alguém se há tantas personalidades e tipos físicos a serem desvendados?

     Adoraria saber o real motivo desta “solidão coletiva”, mas creio que nem os especialistas conseguem explicar o fenômeno. Uma mudança profunda no namoro, no casamento e nas formas de se relacionar. Até onde isso vai, ninguém sabe. Tenho amigas, que sonham com filhos, já atingiram o que querem na profissão, mas não encontram a cara-metade. Bonitas, inteligentes e sozinhas... Será que ficamos exigentes demais? Ou concluímos que é desnecessário ter alguém do lado o tempo todo? Falta tempo pra isso?

     E aí volto à pergunta que me incomodou... Tempo é do que mais a gente precisa numa relação. Pra conversar ou pra brigar, pra rir, pra olhar no fundo dos olhos, pra namorar... Se as pessoas não têm tempo de procurar, dificilmente, terão pra manter o outro por perto. É preciso investir na paixão, abrir espaço, cancelar a agenda em nome de uma companhia. Romantismo? Acho que não... Não se trata de abandonar os próprios interesses ou os amigos pra se ter alguém. Mas, ou a gente continua “a um”, com as dificuldades que essa opção pressupõe, ou é melhor correr atrás do tempo pra experimentar uma história “a dois”. 

domingo, 22 de setembro de 2013

A solidão da atriz, do poeta e do andarilho

Foto: João Machado


     A foto publicada na Internet me tirou o fôlego. Um homem abraçado à escultura de Carlos Drummond de Andrade à beira-mar em Copacabana. O retrato mais triste da solidão, o sentimento de quem se agarra a uma imagem fria porque quer um ombro ou um colo. O encaixe no abraço de bronze do poeta... Um abraço gelado em que não se ouvem as batidas do coração. Mas ali o morador de rua poderia desabafar, chorar, entregar-se e se sentir acolhido. O poeta, ah, esse entendia bem do assunto. Pra escrever coisas tão lindas, certamente, foi fisgado pela nostalgia.


     Seria muita arrogância de nossa parte achar que estamos livres dessa solidão de quem mendiga afeto. Também queremos esse calor... Nem sempre, a vida oferece. É a solidão coletiva, o mal das cidades grandes. Falta de tempo ou de vontade de conviver. Tempo demais à frente de uma tela. Pessoas em excesso, disputando a nossa atenção. Um mundo barulhento com palavras que não fazem sentido. E a gente se sente muito bem na própria companhia, achando que “se basta”, até a chegada de alguém especial que faz você querer aquela presença o tempo todo.

     A doença aumentou, mas não é de agora. Coincidentemente, acabo de ler uma biografia sobre a atriz Marilyn Monroe, mulher linda, loura, desejada, famosa e sozinha. Ela, que era disputada pela multidão de fãs, não se sentia querida o suficiente. Pulava de um romance ao outro, e a carência nunca parecia chegar ao fim.

     Muitas vezes, não adianta ter alguém ao lado na cama ou crianças pra encher a casa. O sentimento é mais profundo que isso e já nasce com a gente. Num de seus contos, ironicamente chamado de “Feliz aniversário”, Clarice Lispector nos apresenta uma senhora que fazia 89 anos. A festa com a família é amarga, apesar de estarem todos lá – filhos, noras, genros, netos.

     “A vida tem um vazio. Não pode dar uma de louca e tentar preenchê-lo”. A frase dita por uma alcoólatra, no filme “Entre o amor e a paixão”, resume o questionamento que todos nós fazemos de vez em quando. Eu consigo lidar bem com a solidão... Gosto de ficar sozinha, quieta, lendo, escrevendo, vendo filmes.  Nunca me senti mal com isso.

     Aprender a ser só também é um treino do desapego. Pode até soar contraditório, mas foi assim que descobri o valor de uma boa companhia. Reconhecer o sentimento não significa querer se isolar. E o meu texto, que começa com uma imagem triste, termina com um pensamento, no mínimo, reconfortante, atribuído a Rachel de Queiroz: “A gente nasce e morre só. E talvez por isso mesmo é que se precisa tanto viver acompanhado.”

domingo, 7 de julho de 2013

As vantagens da vida "a um"

     Outro dia, li uma piadinha aqui na Internet, que dizia que as prestações de um presente para o ser amado costumam durar mais do que o namoro. É engraçado, mas não deixa de ser trágico... As relações são tão rápidas que terminam antes mesmo que você conheça melhor a pessoa. Não dá nem tempo de apresentar à família, como se fazia antigamente.

     E aí, olho a minha volta e vejo homens e mulheres sem parceiros pelos mais diversos motivos. Do jeito que o amor anda fugaz, às vezes, é melhor se recolher, ler um bom livro, sair com os amigos porque essas relações, sim, costumam durar décadas.
    
     Pra encurtar conversa, costumo concordar quando dizem que estou sozinha porque eu quero. Mas, no fundo, sempre custei a admitir isso. Foi numa caminhada (sozinha) à beira da Lagoa da Pampulha, que aceitei a minha “culpa”. Primeiro, pra estar com alguém, tenho que estar absolutamente apaixonada. Parece óbvio, mas não é. Tem gente que aceita o pretendente apenas pra tapar buraco ou pra mostrar ao eterno julgamento dos outros que não está só. Segundo motivo: aprendi a gostar da minha companhia. É bom ter alguém, sim, mas não pra se sentar à mesa de um bar e os dois ficarem mudos, bebendo pra enxergar o outro com mais condescendência.

     Na praia, há pouco tempo, observei um casal jovem que praticamente não se falava. Ele lia o jornal. Ela olhava o mar. Ela lia a revista. Ele olhava outras mulheres. Foi assim até que, no dia seguinte, apareceu outro casal. Pronto! Não faltou assunto aos quatro!

     Na academia, uma dupla que, na minha opinião, peca pelo excesso. A moça estava malhando. O noivo, com calça jeans e sapatos, andava atrás dela o tempo todo, em cada um dos aparelhos. Como uma sombra ou um anjo da guarda. Controle? Falta de interesses próprios? Dependência?

     Até no casamento, um pouco de solidão faz falta. Tem coisa que a gente só enxerga quando conversa com os próprios botões. E a vida “a um” tem outras vantagens. Viajo pra onde eu quero com as companhias que escolho. Não tenho que dar satisfação sobre horários ou atitudes.  Mas nem sempre fui assim. Terminei um grande amor porque morria de ciúme dele! Terminei outro porque ele morria de ciúme de mim! E foi só aí que entendi o quanto é chato alguém que precisa tanto do outro que até se anula.


     Hoje, eu quero um namorado que me ache interessante do jeitinho que eu sou. Que não tenha medo de viver a história nem pressa de terminá-la. Que me ensine algo e queira aprender comigo. Que converse, olhando nos olhos e não para os lados. Que se entregue sem se prender. Que seja companheiro nos dias bons e nas horas difíceis. Até lá, sim, eu confesso: estou sozinha porque eu quero!